Em outubro de 2006 estreou na “Mostra Brecht e o Cinema”, organizado pela Sala Cinemateca de São Paulo, a videocriação Estudo de Cena: o Capital e a Religião (34’) trabalho independente realizado por trabalhadores de vídeo, teatro, poesia e artes plásticas. O vídeo é uma adaptação da cena “O discurso de Pedro Paulo Bocarra segundo o qual o capitalismo e a religião são indispensáveis”, da peça “A santa Joana dos matadouros” de Bertolt Brecht.
O trabalho que começou em janeiro de 2005 teve como fundamento realizar uma pesquisa que unisse experimento de linguagem e teoria crítica dentro de um processo colaborativo de criação. O vídeo busca refletir sobre a engenharia social que foi construída no Brasil no final dos anos noventa, segundo o modelo neoliberal de organização da sociedade civil em parceria com o grande capital privado através da “responsabilidade social” das indústrias e fundações empresariais. A cena é realizada quatro vezes, tendo na primeira versão uma decupagem clássica, no padrão das telenovelas; com a evolução do vídeo a cena se desenvolve até a vitória do capital que é tratado na última versão na forma de clip “pós moderno”.
Após a estréia o vídeo circulou em espaços de exibição organizados por coletivos de vídeo, em universidades e em cineclubes autônomos da cidade de São Paulo. Sempre na perspectiva de agir fora do circuito comercial, as exibições expandiram-se para além do município e ganharam projeção em seis estados brasileiros – SP, PR, RN, PB, DF e RJ – tendo uma média de público de quatro mil pessoas.
Com a experiência de trabalho formou-se a Companhia Estudo de Cena voltada a pesquisar a linguagem videográfica como ferramenta de intervenção social a partir de estudos da narrativa crítica dialética. Em 2008 a Companhia se dedicou a realização da videocriação Narrativas da Sé buscando aprofundar a pesquisa do vídeo como possibilidade de intervenção artística/política. O vídeo tem como base a observação, gravação e intervenção dos atores em situações vividas na Praça da Sé, no centro da cidade de São Paulo, intercalado por um trabalho de estúdio onde as cenas foram trabalhadas de forma ficcional. Este vídeo, o mais experimental do grupo, trata em oito cenas do tema da miséria em confronto com o moderno sistema de circulação de mercadorias. Narrativas da Sé, estreou na II Semana do Vídeo Popular e na seqüência foi exibido em espaços autônomos e se incorporou ao circuito de exibição popular.
No ano de 2009 realizamos, em parceria com a Brigada de Audiovisual da Via Campesina, o vídeo Estudo de Cena: a república (80’), uma livre adaptação do texto “O 18 brumário de Luis Bonaparte” escrito por Karl Marx em 1852. Nesta ficção que narra a formação da república no pais de Jericó, temos como tema a construção da democracia a partir dos interesses econômicos da classe dominante, assegurados pela repressão armada nos bairros pobres. A narrativa que questiona a naturalização da democracia, tem em sua forma o estranhamento dos padrões naturalistas do cinema atual. Estudo de Cena: a república, estreou na III Semana do Vídeo Popular e assim como Narrativas da Sé, compõe o circuito de exibição popular.
Atualmente estamos desenvolvendo uma videocriação que partiu do estudo das transformações políticas e sociais ocorridas no Brasil a partir do ano de 1989. O vídeo tem como narrativa central a apresentação do espetáculo de rua O mistério do novo, uma peça de intervenção política encenada pela trupe de desvalidos “Fulero Circo” que apresenta em alguns números a destruição dos direitos dos trabalhadores, a espetacularização da pobreza e a construção do discurso totalizador capitalista, tendo como pano de fundo a democracia burguesa.
A peça foi apresentada/gravada em Brasília, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, sempre em praças públicas e em articulação com grupos politizados e movimentos sociais, como o MST. Em toda apresentação gravamos o depoimento do público sobre os temas da peça.
Neste novo trabalho vamos fazer do processo de criação um processo-ato, um vídeo-processo. Nosso objetivo é usar a integração da linguagem do teatro de rua e do vídeo documentário como estratégia de intervenção social e comunicação popular, entendendo que toda obra audiovisual é um meio para contribuir com a reflexão crítica sobre modo de vida atual.


Com a experiência de trabalho da Companhia Estudo de Cena é possível ressaltar ao menos dois pontos que estão na ordem do dia para um trabalho critico: s

1. todo vídeo deve partir de um estudo cujo o interesse seja crítico e político em relação ao tempo presente em que se realiza e deve ser compreendido e recriado pelo conjunto de seus produtores dentro de um processo que não reproduza a divisão social do trabalho na produção de bens.

2. como diz Walter Benjamim em O autor como produtor: “sabemos que o aparelho burguês de produção e publicação pode assimilar uma surpreendente quantidade de temas revolucionários, e até mesmo propagá-los, sem colocar seriamente em risco sua própria existência e a existência das classes que o controlam”. Levando em consideração este argumento, se torna altamente questionável a criação audiovisual critica que apenas abasteça o aparelho produtivo burguês sem buscar modificá-lo. No campo da circulação, decisivo nesta área, é preciso criar circuitos de distribuição e exibição através do diálogo com todos os segmentos da sociedade contrários a política operante. Mas também é preciso desestabilizar a lógica do espetáculo audiovisual, com ações complementares como debates e interações artísticas e criticas de vários tipos, a fim de contribuir para a construção de novas redes de diálogo social e político.

Diogo Noventa
diogo90@ig.com.br
www.companhiaestudodecena.com.br


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